O gigante apodrecido e o cu da musa
Por Ernani Ssó
Depois de um mês de
férias desta coluna, mas não do Bananão, como diria Ivan Lessa com a virulência
de sempre, me sinto mais cansado do que antes.
É com esforço que escrevo. Não
serve pra nada, nem pra espantar a tristeza. É jogar pás de sombras na escuridão,
como diz um personagem do Cortázar.
O Bananão apodrece
dia a dia como uma baleia encalhada em pleno verão e a grande imprensa, com
duas ou três vozes do contra pra se fazer de plural, segue cantando uma velha
canção de ninar enquanto embala o berço esplêndido.
Me diz uma coisa: os ricos
e a classe média – eles na sua voracidade canibal, ela na sua tolice
inquebrantável – não pensam que uma baleia encalhada incha de gases e um dia
explode se não se fizer nada por ela? Quando formos soterrados por uma massa
putrefata de merda, sangue, vísceras e graxa, o que eles pretendem fazer?
Lembre-se, na França muita gente perdeu a cabeça antes de a ordem voltar ao
pedaço.
Sem querer, faço um
álbum dos sinais da podridão.
Pensei que a foto
do Sérgio Moro aos cochichos e sorrisinhos com Aécio Neves fosse a figurinha
carimbada. Mas tem tantas outras. Em qualquer lugar decente, se esse lugar não
é mais uma lenda, aquela foto teria derrubado o Moro. Aqui ninguém dá a mínima.
Se ele já tinha violado a lei ao gravar a Dilma e vazar a gravação, qual o
problema de ser visto confraternizando com um multidelatado e futuro réu, se
viesse ao caso? Inclusive foi aplaudido pelas suas violações da lei. Se o
aplauso fosse apenas dos bobos desinformados e cheios de ódio de sempre, dava-se
um desconto. Mas, que o diabo nos carregue, grande parte do Judiciário
aplaudiu. Esse aplauso talvez seja uma das figurinhas mais destacadas nesse
álbum – e das mais tenebrosas.
Outra bela
figurinha é a da piscada de olho do Alexandre Moraes a Edison Lobão. Novamente
alguém da Justiça, plagiador ainda por cima, e um denunciado debocham na nossa
cara em público. Essa figurinha é um pouco mais gaiata mas não menos obscena e
truculenta do que aquela, sob as árvores, do Gilmar Mendes com o MT, segundo a
lista de propinas da Odebrecht, e o Angorá, apelido que o Brizola botou no
Moreira Franco e a Odebrecht adotou na mesma lista. Quando se trata do Gilmar,
as pessoas suspiram: ah, ele é assim mesmo. Como já disse aqui, esses tempos,
ele virou folclore. Aceitam o Gilmar como aceitam o Saci e a Mula Sem Cabeça.
Ou um tio inconveniente nos almoços de família. É como se suas ações não
tivessem consequências.
Conclusão: as
instituições estão funcionando perfeitamente. Como sempre, desde as capitanias
hereditárias. Estamos na iminência de ver a baleia ir pelos ares devido ao
funcionamento exemplar das nossas instituições.
Outra figurinha que
mostra o bom funcionamento das nossas instituições: as testemunhas no processo
contra o Lula. Até a hora em que escrevo, são 65 ao todo, com 27 da acusação.
Nenhuma tinha nada contra o Lula. Mas Moro segue impávido colosso – haja
convicção ou falta de vergonha. Quer dizer, nem tão impávido, porque agora, em
novo atropelo à lei, não quer que os advogados registrem as audiências.
Compreende-se. Não pega bem ver nas redes sociais a pose de herói derretendo
feito margarina ao sol.
Por falar em Moro,
imperdível o momento em que o juiz lambe as botas do FHC, também conhecido como
príncipe da privataria. Figurinha comovente, tatuada em ácido em nossas
retinas. Dá vontade de bater no peito e gritar? Eita nóis!
Mais uma figurinha? Tenho aqui uma
muito bonita, mas que circula menos: a do Alberto Youssef. Você sabia? O doleiro tem
um contrato assinado por seus advogados com o MPF com uma cláusula de performance: ele
poderá ficar com 2% de todo o dinheiro que ajudar a recuperar, o que pode
chegar a uns 20 milhões de reais. Bom lembrar que Youssef é delator de carreira
e já traiu seu primeiro acordo, feito no caso Banestado, o que por lei o
impediria de firmar novos acordos. Mas, como se sabe, a lei em Curitiba e
arredores – quer dizer Oiapoque, Chuí – é como água, toma a forma do recipiente
que a contém.
Por que jogar na
mega-sena? É muito mais fácil ganhar o prêmio numa delação, sem falar que esse
prêmio, somado ao que se roubou por décadas, dá várias senas acumuladas.
Loteria é pra ralé como eu.
Mas tem outro
esplêndido detalhe nessa figurinha. Pela lei, o doleiro teria direito à redução
de dois terços de sua pena – no caso, irrisória, porque pegou 121 anos de
cadeia. Mas ele encaixou uma outra linda cláusula no contrato: pegar apenas
três anos em regime fechado. Ele cumpriu dois anos e oito meses e agora cumpre
quatro meses de prisão domiciliar num apartamento de luxo a cinco quadras do
parque Ibirapuera, em SP. No caso Banestado, ele foi premiado pelo mesmo Sérgio
Moro. Como dizia uma tia minha, o mundo é pequeno. Mas o que mais impressiona é
como o Moro é durão, né?
Enquanto isso, uma
manicure analfabeta, Keli Gomes da Silva, pegou sete anos e meio de cana porque
furtou quatro pacotes de fraldas, o que dá uns R$ 150. Adivinha se ela tem
chance reduzir a pena e ficar com 2% das fraldas? Se perguntar não ofende,
vamos lá: a criança que usaria as fraldas ficará com quem nesse meio tempo?
Como se dizia no
século dezenove, quem rouba tostão é ladrão. Quem rouba milhão é barão. Nota-se
que as coisas mudaram um bocado de lá pra cá.
Enfim topei com a
figurinha que é um verdadeiro ícone. Sim, a do cu da musa do impeachment,
Juliana Isen. Você acha deselegância minha usar essa palavra? Pode ser. Mas é
uma palavra tão comum, até as crianças usam. Depois, fica estranho um acesso de
delicadeza com uma fulana que tem pela democracia o mesmo apreço que tem pelo
próprio cu.
Isen nos
proporcionou a melhor imagem da Era Temer. Palmas pra ela.
.oOo.
Ernani Ssó é o escritor que veio do frio: nasceu em Bom Jesus, numa
tarde de neve. Em 73, entrou pro jornalismo porque queria ser escritor. Saiu em
74 pelo mesmo motivo. Humor e imaginação são seus amuletos.
Via Sul21