Presidente do TRT-2 fala sobre a Reforma trabalhista
Foto: publicado originalmente pela Rede Brasil Atual.
O desembargador Wilson Fernandes, presidente do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região (que abrange São Paulo, Região Metropolitana
e Baixada Santista), é enfático ao dizer que a reforma trabalhista, sancionada
no dia 13 de julho pelo presidente Michel Temer e publicada no dia seguinte no
Diário Oficial, não vai aumentar o número de postos de trabalho.
“Ela tem sido vendida com a ideia de que vai combater o
desemprego. Isto, segundo minha avaliação, é um equívoco muito grande”, diz.
Além do fato de que os argumentos utilizados para mudar a
lei, em muitos pontos, são equivocados, o desembargador destaca que, em sua
opinião, os problemas diretamente relacionados ao enorme desemprego de cerca de
14 milhões de pessoas, hoje, no país, é a economia. “É a alteração da
economia que vai trazer novos empregos”, afirma. “O país vive uma crise
política. Esta crise está gerando uma crise econômica, que tem gerado
desemprego.”
Para ele, também ao contrário dos argumentos dos que
trabalharam pela construção da reforma trabalhista, “a lei não traz
segurança jurídica”. O que daria ao sistema essa chamada segurança “é a
interpretação reiterada, uniforme dos tribunais ao longo do tempo”.
Fernandes falou à RBA:
O que o sr. diria aos trabalhadores a respeito de como a
reforma trabalhista os afetará?
É importante que o trabalhador compreenda que esta reforma
não é a chave para a solução do emprego no país. Ela tem sido vendida com a
ideia de que vai combater o desemprego. Isto, segundo minha avaliação, é um equívoco
muito grande. O país vive uma crise política. Esta crise está gerando uma crise
econômica, que tem gerado desemprego. Com a crise, os empresários tendem a
resistir ao investimento. Isto provoca retração ao investimento, e nada tem a
ver com legislação trabalhista, que é a mesma há muitas décadas, com pequenas
alterações, e nunca inibiu investimento. Há alguns anos tínhamos índice de
desemprego muito baixo com a mesma legislação. Imaginar que mudando a lei
vão surgir novos empregos não me parece uma conclusão adequada.
A experiência em outros países mostra o contrário, que essas
reformas aumentam o desemprego?
Exatamente. Dou como exemplo a terceirização, que agora pode
ser utilizada na atividade-fim. As empresas que têm empregados atuando na
atividade-fim podem terceirizar contratando empregados terceirizados. Mas para
fazer isso têm que demitir os empregados atuais.
Para cada posto de trabalho novo que abre, tem um
desempregado novo na rua.
E com um agravante: os empregados que ela despede não podem ser
contratados de novo em menos de um ano e meio, uma quarentena enorme. A
terceirização não vai gerar rigorosamente um posto de trabalho novo. Mais de
cem artigos da CLT foram alterados. Não sabemos exatamente o que vai ser
alterado por medida provisória.
Tem um compromisso, supostamente, do presidente
da República em alterar algumas coisas desse texto.
Um dos pontos seria a questão relativa às mulheres…
A nova lei permite que gestantes trabalhem em atividades
insalubres. Isso é absolutamente inadequado. É muito bom que faça essa
alteração, isso é muito sério. Essa seria uma das alterações que ele faria.
Outra seria a questão do imposto sindical. Mas ontem ouvi que não, que esse
compromisso ele não assumiu. Vamos ter que esperar para ver o que vai sair daí.
Agora, para o trabalhador podemos dizer que os sindicatos vão perder muita
força na negociação. Temos hoje alguns sindicatos que são fortes e têm
legitimidade, representam de fato o trabalhador.
Outros, a grande maioria, não
representa coisa nenhuma. A maioria foi criada para se beneficiar do imposto
sindical. No Brasil temos cerca de 17 mil sindicatos, dos quais mais da metade
nunca celebrou uma convenção coletiva. São sindicatos que não representam nada,
nenhuma categoria. Recebem o imposto sindical. Sem o imposto esses sindicatos
menores vão desaparecer e os grandes vão ter muitas dificuldades de cumprir seu
papel, se não tiverem o imposto sindical para executar suas atividades.
Eu sempre defendi o fim do imposto sindical, mas acho que
isso deve se dar no contexto de uma ampla reforma sindical, o que precisaria
ser paulatino. De um dia para outro, perdendo essa fonte de recurso, vão morrer
de inanição.
Num contexto de altíssimo desemprego, essa reforma se torna
ainda mais dramática, não?
Ela não vai gerar nenhum posto novo de trabalho. Sobre a
ideia de que empresários vão investir muito mais porque terão segurança
jurídica…
Eu insisto muito no seguinte: a lei não traz segurança
jurídica.
Não é a lei, é a interpretação reiterada, uniforme dos
tribunais ao longo do tempo que traz segurança jurídica. A nova lei estabelece
algumas regras que o Ministério Público do Trabalho entende que são
inconstitucionais. Até que o Supremo decida isso, esses dispositivos geram
muito mais insegurança. A lei tem alguns poucos dispositivos com aplicação
imediata e que não vão criar grandes discussões, mas tem outros importantes de
constitucionalidade duvidosa.
Por exemplo?
A questão dos honorários advocatícios. A questão dos
honorários de advogado vai fazer com que os advogados passem a ser mais
cautelosos na postulação da ação porque, se pedem mil e ganham cem, vão ter que
pagar honorário sobre o que perderam. Isso pode fazer com que, em uma ação em
que o empregado ganhe alguma coisa, o que ele ganhou vai ser utilizado para
pagar honorário da parte contrária. Isso vai estimular um maior cuidado na
formulação dos pedidos. Até que o TST decida reiteradamente num ou noutro
sentido, não teremos a segurança de que isso fere ou não a Constituição, se
será seguida pelos tribunais ou não.
A lei traz alguns poucos avanços, não em benefício de um
empregado, mas que são importantes para disciplinar algumas matérias. Por
exemplo, na questão do tempo que o empregado perde na condução oferecida pelo
empregador.
A jurisprudência manda pagar como hora extra. Isso faz com que
muitos empresários até bem intencionados decidam não dar condução e contratar
empregados mais próximos da empresa. A lei acabou com isso (estabeleceu o fim
da obrigatoriedade do pagamento pelas empresas das chamadas horas 'in
itinere', o tempo que o trabalhador gasta em transporte fornecido pelo
empregador). Acho um avanço, porque, a pretexto de beneficiar o empregado, pode
dificultar para algumas pessoas. Conheço o caso de um empresário que tinha 70,
80 empregados de uma cidade vizinha e tinha que dar condução. Quando ele
descobre que tem que pagar isso como hora extra, manda todo mundo embora e
contrata outros de sua cidade. É uma avanço, mas não vamos dizer que é um
benefício para o empregado. Óbvio que não.
E qual o impacto da reforma na Justiça do Trabalho?
Num primeiro momento essa reforma tem o potencial muito grande de criar novas discussões judiciais. A tendência é que a gente tenha até acréscimo das ações. Num segundo momento, não vai cair o numero de ações propriamente dito. O que vai reduzir muito são os pedidos formulados em cada ação. Hoje o empregado pede 20 ou 30 coisas diferentes em algumas ações. Em se admitindo que não seja declarada a inconstitucionalidade da questão dos honorários, com o tempo o empregado vai deixar de pedir verbas que ele não tem certeza de que vai ganhar. Um exemplo concreto: o empregado fez muitas horas extras e não recebeu. Procura um advogado e o advogado cauteloso vai perguntar: “você tem prova de que fez essas horas extras?” Se não tiver, melhor não pedir. Se pedir e não ganhar o pedido, sobre o valor desse pedido vai pagar honorário da parte contrária.
As ações vão aumentar ou diminuir?
Hoje temos no país quase 5 milhões de ações por ano. Mas
estudos do CNJ demonstram que metade das ações são propostas para cobrar verbas
rescisórias. É o caso do empregado que é despedido e não recebe. Essas ações
não vão deixar de ser propostas, não importa se a lei mudou ou não. Essas ações
vão continuar sendo propostas. Na outra metade, pode ser que a médio e longo
prazo haja uma redução. Eu diria que só ao longo de alguns anos a gente vai ter
estabilidade razoável a respeito de como devem ser interpretados os novos
dispositivos.
A lei vai regularizar algumas situações como a questão do trabalho
intermitente, por exemplo, que é apresentada como algo que garante ter
registro. Mas de que adianta o trabalhador ter registro se não sabe quantos
dias vai trabalhar por mês, nem se vai trabalhar, nem quanto vai ganhar. Na
verdade isso é uma segurança para o empresário, não para o empregado. Não estou
dizendo que devesse ser assim ou diferente. O Judiciário não tem que defender
este ou aquele movimento da lei, mas aplicar a lei como está publicada. Isso
não me retira o direito de dizer que os argumentos utilizados para mudar a lei
em muitos pontos são equivocados. Na questão do desemprego, por exemplo, a lei
não vai mudar isso, obviamente. É a alteração da economia que vai trazer novos
empregos.
Via Justificando.com
