Por quê jogam ovo em
Doria e juízes em Lula.
Fernando Horta
Ou uma análise sócio-política do ovo, ou por quê jogam ovo em Doria e juízes em Lula.
As formas de protesto precedem as de participação, por
óbvio. Tanto na História, quanto nas sociedades, as elites (sejam da natureza
que forem) estão somente dispostas a dialogar quando colocadas em condição de
pressão. Nem o "estado democrático de direito" inverteu ou suprimiu a
lógica do protesto, eis que a ideia de "democrático" é sempre
subvertida e inferiorizada pela autoridade legal do momento e o termo
"direito" tem extensão e profundidades suficientes para serem usados
como constritor da noção de cidadania.
Os protestos têm, portanto, duas funções básicas: provocar,
por ato de escárnio, um mal-estar nas autoridades-alvo de forma a gerar uma
noção social de transgressão, com um custo social baixo, e sinalizar ao poder
constituído que existe uma inconformidade forte o suficiente para impelir
cidadãos a quebrarem as regras, transgredirem os limites sociais com o intuito
de serem ouvidos.
Assim, a forma do protesto, quando legitimamente
estabelecido, é inerente ao grupo protestante. Os que têm acesso à explosivos,
usam explosivos. Os que tem acesso apenas à comida, fazem desta sua arma.
Alguns protestos, entretanto, chamam a atenção pela falta de fulcro legítimo,
eis que são pensados e financiados por agentes sociais diferentes dos que
protestam.
Quando uma elite bate panelas, por exemplo, fica claro que a
ação do protesto não foi pensada dentro do grupo social que o coloca em
prática. Os "cacerolazos" do Chile em 71 e 73, da Argentina em 2012 e
do Brasil em 2016 não foram pensados pelos grupos que deles fizeram uso.
Eram
movimentos de elite que não tinham na panela qualquer simbologia especial e
sequer estavam passando fome.
Este mesmo fenômeno, da ingerência política externa através
da brecha da "opinião pública", acontece em vários lugares no mundo
em que, por exemplo, protestantes escrevem cartazes e faixas em línguas
diferentes das suas. Demonstra-se que o alvo da mensagem não são seus
conterrâneos, o objetivo da mensagem não é unidade nacional. A mensagem, em
língua diferente ou com códigos culturais e valores diferentes do grupo ou país
que é exarada é um recibo dado publicamente pelo executor do serviço ao seu
financiador.
Desde a Idade Média, os protestos com comida eram comuns,
desde que os protestantes fossem populares. As comidas eram, por óbvio as que
não mais estavam aptas ao consumo. E a simbologia ficava clara.
Afora o fato de ser barato, a simbologia do ovo traz consigo
uma crítica ao cinismo das elites. A mensagem faz turvar a aura de
intangibilidade e oferece ao protestado um momento em que ele será tocado pelo
popular. Não somente contra a sua vontade, mas também contra a sua história. É
a demonstração da percepção social do cinismo.
O protestante desvela as
construções imagéticas do poder, fazendo a elite ser tocada pela simbologia do
popular. Simbologia esta que o protestado não tem nenhum apreço.
De alguma forma, isto explica porque líderes populares não
precisam ter medo dos ovos. Cada grupo de protesto usa as armas mais comuns que
tem ao seu alcance. Enquanto uns grupos jogam ovos, outros jogam sentenças
judiciais ou emendas parlamentares.
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