por Juliana Passos e Nara Lacerda(¹)
Em uma década, quase de 25 mil pessoas de até 17 anos foram vítimas de acidentes enquanto trabalhavam...
Dados divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que, entre 2011 e 2020, foram registrados 24.909 acidentes de trabalho (AT) envolvendo crianças e adolescentes no Brasil. O número de óbitos chegou a 466 nesse período. Em 16% dos casos, as vítimas tinham menos de 14 anos, o que é ilegal no país.
A pesquisa Perfil dos Acidentes de Trabalho com Crianças e Adolescentes no Brasil, de 2011 a 2020, aponta que as vítimas fatais mais frequentes são jovens pretos e pardos. Mais de 56% dos óbitos registrados no período ocorreram nessa população.
O recorte de idade também reforça o risco maior para crianças e adolescentes negros e negras. “Nas faixas de 14 a 15 anos e de 5 a 13 anos, predominam crianças e adolescentes da raça/cor da pele negra (pardos e pretos). Por sua vez, entre os óbitos notificados, a proporção de óbitos de negros (56,2%) supera a de brancos (40,1%)”, diz o estudo.
“Sabendo que os dados de AT, apesar de números terríveis, são notoriamente subnotificados no nosso país. Como podemos aceitar tantas crianças e adolescentes trabalhando, vítimas de acidentes, e o que é pior, morrendo por AT? Foram 466 óbitos em 10 anos. Como podemos considerar aceitável 47 crianças mortas por AT a cada ano? A maioria, crianças negras e pobres, pois, como se sabe, vivemos num país racista”, alerta Hennington.
Segundo a pesquisadora, 73% dos acidentes foram classificados como “típicos”. Eles ocorrem no ambiente de trabalho ou fora dele a serviço da empresa e os riscos são consequência da atividade laboral.
“É o caso, por exemplo, de um adolescente que trabalha em canavial cortando cana e se corta com o facão, ou de uma criança que vende bala na rua e acaba sendo atropelada. Os modos de prevenir irão depender muito do tipo de atividade, do processo e ambiente de trabalho e da forma como se organiza: treinamento e práticas formativas e educativas; uso de equipamentos de proteção individual e coletiva; adequações do ambiente e processos de trabalho, melhoria das condições de trabalho.”
Hennington ressalta, no entanto que, no caso de crianças e adolescentes a solução é combater o trabalho infantil. “Essa é a melhor forma de prevenção. Crianças e adolescentes devem estudar, brincar, fazer esporte, participar de atividades culturais e de lazer. O trabalho precoce prejudica o desenvolvimento físico e mental e de suas potencialidades.”
A informalidade também atinge mais crianças e jovens negros. Segundo o estudo, o contingente de pessoas não registradas foi expressivo nos casos de acidentes. Mais de 84% dos trabalhadores informais era do sexo masculino e quase 50% eram negros, na faixa etária de 16 a 17 anos.
Ainda de acordo com o estudo, na década observada, houve aumento de 3,8% no registro de acidentes com crianças de 5 a 13 anos. Cabe ressaltar que o trabalho nessa idade é proibido por lei no Brasil. Nas faixas etárias a partir de 14 anos, em que a ocupação já é legalizada, houve queda de 50%.
O setor de serviços é o que mais concentra situações dessa natureza. Isso inclui serviços domésticos em geral, hotelaria e alimentação, embelezamento e cuidados pessoais e trabalhadores das chamadas funções transversais, o que engloba embaladores e alimentadores de produção, por exemplo.
Entre as atividades também aparecem o trabalho no comércio, na indústria extrativista, na construção civil e na exploração agropecuária. O total de acidentes de trabalho registrados entre crianças e jovens ao longo da década analisada representa 3% de todas as ocorrências no período.
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