segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Constatação Sinistra: O Evangelho e os Interesses Políticos da Bancada da Bíblia!

Constatação Sinistra | O Evangelho Segundo os Interesses Políticos da Bancada da Bíblia  

Por Elstor Hanzen(¹)

Elstor Hanzen entrevista André Ítalo Rocha. Na imagem, foto de David Ribeiro/Câmara dos Deputados.

A política, que era coisa do diabo para os evangélicos no século passado, hoje é o principal palco para candidatos da Bancada da Bíblia. Jornalista e escritor, André Ítalo Rocha mergulhou na conexão que há entre religião, política e poder. O resultado é a obra A bancada da Bíblia: uma história de conversões políticas, que acaba de ser lançada pela editora Todavia, que mistura reportagem, ensaio histórico e análise política. Trata-se, além disso, de um estudo contundente sobre essa força cada vez mais consolidada na política brasileira. Nesta entrevista ao Extra Classe, ele revela bastidores e aprofunda a relação entre poder, política e religião. Ele ainda esclarece por que o poder dos evangélicos é menor nos municípios do que na espera estadual e federal.

Na visão do autor, a Bíblia e Deus têm sido potentes instrumentos para o poder econômico e político nos últimos tempos. “No Brasil, a direita cristã e a direita econômica têm andado de mãos dadas. Basta ver o apoio que alguns pastores, aliados de Bolsonaro, têm dado a Elon Musk nos seus embates com o STF”. Desde o primeiro pastor eleito em 1962, religião e política não param de se fundir no Brasil.

André ressalta que antes da Constituinte os pentecostais eram avessos à política. Diziam ser coisa do diabo. “Com a Constituinte, eles resolveram se mexer, porque já era uma parcela maior da população e tinham medo de que a Constituinte os fizesse perder a liberdade de culto, acreditando no boato de que o catolicismo voltaria a ser a religião oficial do estado”, explica.

Só na eleição de 2022, por exemplo, foram eleitos 94 deputados evangélicos, sendo que alguns poucos deles são de esquerda e não se alinham às pautas da bancada. O jornalista afirma que a Bancada Evangélica não é apenas uma organização ideológica, “mas também uma bancada bastante pragmática, aberta a negociações, ao fisiologismo e bastante aderente a qualquer governo, seja de esquerda ou de direita”.

Extra Classe – Como surgiu a ideia de pesquisar e contar a relação entre religião, política e poder?

André Rocha – Começou como uma curiosidade jornalística. Eu acompanho as notícias sobre as pautas em discussão no Congresso que interessam à bancada evangélica e comecei a me perguntar quando e como começou todo esse engajamento dos evangélicos na política. Procurei trabalhos acadêmicos e percebi que havia uma história pouco explorada: a do primeiro pastor eleito deputado com o apoio da sua igreja, o Levy Tavares, da igreja O Brasil Para Cristo, eleito por São Paulo em 1962. Tudo que havia sobre Levy era muito vago. Descobri em 2017 que ele ainda estava vivo e morava no centro de São Paulo. Pedi uma entrevista e ele topou. Ali eu senti que poderia começar um livro sobre os evangélicos na política. Eu já tinha encontrado o primeiro personagem. Dali em diante, fui atrás dos outros, até reconstruir toda a história.

EC – O que mais chamou a atenção na imersão neste tema?
André – Aquilo que ficou mais claro para mim durante a pesquisa é que a bancada evangélica não é apenas uma bancada ideológica, mas também uma bancada bastante pragmática, aberta a negociações, ao fisiologismo e bastante aderente a qualquer governo, seja de esquerda ou de direita. Na primeira Era Lula, por exemplo, os deputados evangélicos votavam na maioria das vezes alinhados à posição do governo. No primeiro mandato de Dilma, também. Só começaram a desembarcar quando Dilma foi perdendo popularidade e virando alvo do jogo político que resultou no impeachment. A maioria dos deputados evangélicos pertence a partidos do Centrão, então há bastante disponibilidade para sentar e conversar. É claro que eles são mais ideológicos quando a pauta é ligada a costumes e a religião, mas mesmo nessas pautas há a possibilidade de envolvê-las em negociações políticas, como ocorreu com o projeto do aborto discutido no primeiro semestre, em que o deputado Sóstenes, ligado a Silas Malafaia, admitiu que o presidente da Câmara, Arthur Lira, havia prometido a ele que pautaria o projeto, em troca de apoio nas disputas para sucessão no comando da Câmara.

EC – Religião e política têm uma interligação histórica, e os pentecostais conseguem aproximar melhor a região à política?  De que forma?
André – O curioso é que antes da Constituinte os pentecostais eram avessos à política. Diziam que política era coisa do Diabo. Entendiam que a política era algo mundano depois, e diziam que o crente que se metesse com política iria se desviar da fé. Isso, na verdade, era resultado de uma série de fatores, como o fato de que as primeiras igrejas pentecostais do país, como a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã, foram trazidas por imigrantes que, por serem estrangeiros, evitavam a política. Mas também porque, na primeira metade do século XX, o catolicismo ainda era muito ligado ao estado, e os pentecostais preferiam se manter distantes da política para evitar perseguições, uma vez que eram ainda uma parcela muito pequena da população. Com a Constituinte, eles resolveram se mexer, porque já era uma parcela maior da população e tinham medo de que a Constituinte os fizesse perder a liberdade de culto, acreditando no boato de que o catolicismo voltaria a ser a religião oficial do estado. Tinham receio também de que, com o fim da ditadura, a esquerda aprovasse pautas progressistas demais, e por isso resolveram agir, para oferecer resistência no Congresso.

EC – Há um uso extrativista da região pela política?
André – Acredito que sim. Existem deputados evangélicos que não têm uma agenda cristã no dia a dia do seu mandato, porque têm outras prioridades, mas, quando chega a época de campanha, apelam para temas de costumes, sensíveis aos fiéis, para conseguir um número maior de votos. Muitos deles sabem que, se não usarem a religião, não serão eleitos.

EC – O movimento de extrema direita usa melhor a gramática religiosa do que a esquerda?
André – Sim. Mas talvez isso não seja algo para se orgulhar. O ideal seria que tanto a esquerda quanto a direita se concentrassem no debate de pautas que vão de fato melhorar a vida econômica da população, inclusive os deputados religiosos. Basta lembrar que as igrejas, católica ou as evangélicas, têm historicamente uma preocupação com os mais pobres, com a justiça social. Mas em vez de seguirem por esse caminho, preferem explorar as pautas de costumes, que provavelmente vão atrair mais votos nos templos.

EC – Bíblia e Deus estão sendo usados com propósitos político e econômico?
André – Sim. Inclusive é interessante notar que, no Brasil, a direita cristã e a direita econômica têm andado de mãos dadas. Basta ver o apoio que alguns pastores, aliados de Bolsonaro, têm dado a Elon Musk nos seus embates com o STF.

EC – Qual a estratégia de converter fiéis e eleitores?
André – Os candidatos evangélicos de direita basicamente concentram suas campanhas nos templos das igrejas, e procuram despertar a atenção dos fiéis ativando medos históricos. Um dos medos históricos dos evangélicos é perder a sua liberdade religiosa e de culto. Temem que um dia o Brasil volte a ser como no tempo do catolicismo hegemônico, em que os evangélicos eram tratados como membros de seitas fanáticas. Até mesmo a pauta do casamento entre pessoas do mesmo sexo pode ser usada para ativar esse medo. Alguns candidatos dizem que a esquerda quer que os pastores não possam dizer certas coisas no púlpito, que poderiam ser classificadas como homofóbicas. Na campanha, eles alegam que isso seria restringir a liberdade de culto.

EC – Bíblia e religião são formas de estabelecer “verdades” para a maioria das pessoas, por isso é usado tanto por pastores como por coaches?
André – Sim. Não por acaso, temos visto figuras como Pablo Marçal, que recorre a elementos da estética evangélica, atraindo o voto evangélico em São Paulo.

EC – A bancada da Bíblia tem 228 congressistas na atual legislatura. É uma poderosa e milionária máquina evangélica de fazer política, mais poderosa do que a do agronegócio?
André – O número de membros da bancada evangélica na verdade é bem menor do que esse. O número que você cita é o de membros da Frente Parlamentar Evangélica, que inclui também congressistas não evangélicos, porque a Frente precisa de um número mínimo de assinaturas para ser criada, e só os deputados evangélicos não seriam suficientes. Então outros deputados de direita ou de centro, não evangélicos, acabam ajudando. Na eleição de 2022, foram eleitos 94 deputados evangélicos, sendo que alguns poucos deles são de esquerda e não se alinham às pautas da bancada, como o pastor Henrique Vieira, do Rio de Janeiro. Eu não saberia cravar se eles são mais fortes que a bancada do agro, talvez essa comparação oscile de uma legislatura para outra, mas certamente são duas grandes forças da política, que não podem ser ignoradas pelo presidente da República.

EC – O poder dos evangélicos na política municipal e estadual é menor do que na federal ou não? Por quê?
André – É sim. Isso acontece porque o Congresso Nacional é um espaço onde pautas de classe são mais discutidas. Nas câmaras de vereadores e assembleias estaduais, as discussões são mais relacionadas a problemas locais, como o buraco de rua no asfalto e a escola sem professor. Em Brasília, as pautas são mais relacionadas a questões mais amplas, o que favorece bancadas ligadas a segmentos da sociedade, como a da Bíblia.

EC – A grande presença da religião na política, como os evangélicos, tende a corroer o estado laico e a democracia?
André – Acredito que isso é algo que deve ser monitorado, mas sem pânico. Os evangélicos, como qualquer segmento da sociedade, têm todo direito de se mobilizar politicamente. Seria antidemocrático dizer que os evangélicos não deveriam se envolver na política. E seria elitista achar que eles são ignorantes e por isso não deveriam se envolver. Além disso, os evangélicos são menos de 20% da Câmara, eles não conseguem, sozinhos, aprovar qualquer projeto. Precisam do apoio de outros segmentos. Para eles terem uma parcela maior no futuro, precisariam que a população evangélica também crescesse, o que deve acontecer, mas de maneira lenta, sem a mesma velocidade de décadas anteriores. E mesmo crescendo, não necessariamente significa que a população ficará mais conservadora. As igrejas não vão conseguir crescer muito se seguirem muito restritivas em costumes. Em Brasília, quem está do lado contrário aos evangélicos tem o dever político de se organizar também para fazer oposição dentro do jogo democrático, em vez de querer tirá-los do jogo. Aqueles que se opõem aos evangélicos deveriam cobrar, por exemplo, que os evangélicos tragam pautas que estejam menos relacionadas à vida privada das pessoas e mais a questões de interesse público, que afetem a saúde e o bem-estar das pessoas. E também é importante fiscalizar as campanhas, porque muitos deputados evangélicos são eleitos fazendo campanha em igreja, o que é proibido pela lei.

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