quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Quando a Liberdade Faz o Cão Latir e a Sinfonia do Apito...

Achamos na Rede | A Sinfonia do Apito: Quando a Liberdade Faz o Cão Latir

Por Alessandro Fernandes(¹)

É aceitável que, em nome de uma liberdade ilusória e extrema, a coletividade se torne refém de uma minoria armada, exposta ao risco de cada surto?

A Bandeira de Gadsden, concebida em 1775 no contexto da Revolução Americana, evoluiu ao longo do tempo para se tornar um símbolo controverso de resistência à tirania. Essa bandeira tem sido apropriadamente distorcida por grupos extremistas que, sob a pretensão de defender a liberdade, advogam pela desregulamentação irrestrita do porte de armas, como se esse direito fosse absoluto e inquestionável. No entanto, tal apropriação transforma o símbolo em um “apito de cachorro” (dog whistle), uma comunicação velada que sinaliza ideologias que promovem a violência e a desobediência civil, disfarçadas sob o discurso da liberdade individual.

Recentemente, a presença da Bandeira de Gadsden em uma sacada de apartamento em São Leopoldo coincidiu com um momento de pânico na região do Vale dos Sinos, exacerbado pelo trágico ataque ocorrido na madrugada de 22 para 23 de outubro em Novo Hamburgo. Um atirador, portando quatro armas de fogo devidamente registradas, feriu nove pessoas e matou um policial militar, além de seu próprio pai e irmão, antes de ser abatido após um longo período de terror. Nesse cenário, a ostentação da bandeira não pode ser considerada um ato desprovido de significado. Ela atua como um “apito de cachorro”, evocando, entre os defensores de ideologias extremistas, a ideia de que a liberdade individual, em especial o direito à posse de armas, deve prevalecer sobre qualquer consideração de segurança pública ou controle estatal.

Frente a esse contexto, impõe-se a reflexão: até que ponto a sociedade deve permanecer vulnerável a novos episódios de violência, justificados por essa retórica implícita, sem qualquer controle ou supervisão estatal? É aceitável que, em nome de uma liberdade ilusória e extrema, a coletividade se torne refém de uma minoria armada, exposta ao risco constante de cada novo “surto”?

A exaltação da liberdade individual irrestrita, representada por símbolos como a Bandeira de Gadsden, não pode servir de justificativa para a desintegração da ordem social e a banalização da violência armada. A defesa intransigente do direito à posse de armas, quando usada para resistir a qualquer forma de regulação estatal, se torna um convite à desordem e à insegurança. Assim, a sociedade democrática, sustentada por princípios constitucionais, não pode relegar a segurança pública a um plano secundário em nome de uma liberdade individual absoluta e irresponsável.

É essencial reavaliar o uso e a simbologia da Bandeira de Gadsden, especialmente quando essa é utilizada em contextos que incitam a violência e a insegurança. A defesa exacerbada da liberdade individual, desprovida de responsabilidade social, alimenta ideologias autoritárias e destrutivas. Como alertou Bertolt Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Em São Leopoldo, a ostentação desse símbolo é um exemplo claro de como o “apito de cachorro” pode operar, disfarçando intenções extremistas sob a falsa bandeira da liberdade, e ao fazê-lo, ameaça o equilíbrio necessário entre o direito individual e o bem-estar coletivo, colocando em risco as bases da convivência democrática. 

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