quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Necessidade não tem lei. Será?

Ou a democracia ou a guerra
por Leonardo Isaac Yarochewsky

Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Actualmente, somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto. (José Saramago)

O meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado. (Albert Einstein)

“Ou a democracia ou a guerra” sentenciou a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) ministra Cármen Lúcia em evento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) realizado no último dia 5. 

A presidente do Supremo afirmou que o país “vive um momento particularmente grave” e que “há uma enorme intolerância com o poder público, o que nos leva a pensar em soluções para que a sociedade não desacredite no Estado. 

O Estado tem sido nossa única opção. Ou a democracia ou a guerra. E o papel da Justiça é pacificar“; ela também disse que o Poder Judiciário tem sido alvo de uma campanha de desconstrução, pediu união a juízes e disse que o Brasil vive uma “encruzilhada”.

A neófita democracia brasileira sofreu um duro golpe com a retirada do Poder da presidenta da República Dilma Vana Rousseff eleita com cerca de 54 milhões de votos e sem que tenha ela praticado qualquer crime de responsabilidade. 

Neste particular, o STF deveria e poderia ter impedido o golpe parlamentar proclamando em alto e bom som e com todas as letras que não havendo crime de responsabilidade a presidenta não poderia ter sido acusada e julgada por conduta atípica. Contudo, preferiu o STF “lavar as mãos” e apenas se limitar, em relação ao processo de impedimento da presidenta Dilma, a verificação das questões processuais e rituais. 

Como já dito alhures, ainda que caiba ao Senado Federal processar e julgar o Chefe do Poder Executivo, por crime de responsabilidade, ao STF caberia zelar pelo respeito à Constituição da República e aos princípios de direito. Repita-se, não havendo crime não havia como a presidenta da República ter sido processada e julgada. 

O STF deveria,  como já foi sustentado, trancar a ação penal por falta de justa causa.

Para o professor e filósofo Thomas Bustamante, o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff foi, sim, um golpe de estado. Há vários elementos que corroboram essa afirmação, merecendo recordar os seguintes:

1) violação à retroatividade da lei;

2) ausência de tipicidade estrita;

3) ausência de comprovação de autoria;

4) ausência de dolo específico;

5) extensão de tipo penal por analogia;

6) (na Câmara), violação ao art. 23 da lei 1059, com “fechamento de questão” pelos partidos políticos;

7) desvio de finalidade (impeachment instaurado para “estancar a sangria da lava-jato” (Jucá);

8) desvio de finalidade (na Câmara) do ato de recebimento da denúncia pelo Sr. Eduardo Cunha;

9) total ausência de autenticidade e responsabilidade do Parecer do Relator (Senador Anastasia), que em si mesmo constitui um ato de hipocrisia.

Com o afastamento em definitivo da presidenta Dilma Rousseff, sem qualquer legitimidade e na base de acordos espúrios – costurados no Congresso Nacional e no Palácio do Jaburu – assumiu o governo o vice-presidente da República que vem assolando o País, aniquilando com os direitos e garantias fundamentais, individuais e sociais, para atender aos interesses dos plutocratas e dos endinheirados.  

Ao lado do golpe contra a democracia brasileira que teve seu ápice com a decisão do Senado Federal que decidiu pelo afastamento definitivo da presidenta Dilma, o país vem sendo tomado pelo avanço do estado penal e pela criminalização da política, notadamente, do Partido dos Trabalhadores (PT) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa lamentável situação jamais poderia estar passando à margem do STF que, aqui também, se omite quando fecha os olhos para todas as violações, abusos e arbitrariedades perpetradas pelo juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Dentre as maiores arbitrariedade cometidas pelo condutor da famigerada operação “Lava Jato” está o fato de ter sido vazado pelo magistrado da “República de Curitiba”, sob a alegação inconsistente e vazia do “interesse público”, conversa mantida pelo ex-presidente Lula e a então presidenta da República Dilma Rousseff.

Como é sabido, o Chefe do Poder Executivo, segundo a Constituição da República, somente pode ser investigado e processado por crime comum perante o Supremo Tribunal Federal. Em 13 de junho de 2016 o ministro Teori Zavascki, relator da operação “Lava Jato” no STF anulou a prova colhida ilicitamente, assim se manifestando:

Como visto, a decisão proferida pelo magistrado reclamado [Moro] está juridicamente comprometida, não só em razão da usurpação de competência, mas também, de maneira ainda mais clara, pelo levantamento de sigilo das conversações telefônicas interceptadas, mantidas inclusive com a ora reclamante e com outras autoridades com prerrogativa de foro.

Foi também precoce e, pelo menos parcialmente, equivocada a decisão que adiantou juízo de validade das interceptações, colhidas, em parte importante, sem abrigo judicial, quando já havia determinação de interrupção das escutas.

Em relação à atitude, no mínimo suspeita do juiz Federal Sérgio Moro, que causou grande perturbação a democracia quando da divulgação do áudio da conversa do ex-presidente Lula com a então presidenta Dilma, o ministro Teori Zavascki e o STF se contentaram com um protocolar pedido de desculpa oferecido por Moro.

Ainda sobre a gravação ilegal do diálogo mantido entre a então presidenta da República Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o eminente processualista Afrânio Silva Jardim assim se manifestou:

A gravação do diálogo entre a Presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, relativa à remessa do termo de posse, é objetivamente ilegal (lei n.9.296/96) e inconstitucional (art.5, inc. XII). 

Quando efetivada, o juiz Sérgio Moro já tinha determinado a cessação de todas as gravações. Não importa se a operadora estava ou não de boa-fé. Não se trata de gravação sem autorização judicial, mas sim de gravação contra ordem judicial. Desta forma, não poderia ser citada por qualquer juiz ou ministro. Evidentemente que o Juiz Sérgio Moro sabia desta ilegalidade, pois a ordem foi dele e não poderia dar publicidade a este diálogo. 

A própria imprensa não deve ficar divulgando atos ilegais, quem sabe, criminosos. Impressionante a gritante parcialidade da nossa grande imprensa. Até mesmo o Ministro Marco Aurélio do S.T.F., em entrevista concedida neste domingo, assevera que o juiz Sérgio Moro cometeu crime ao autorizar e divulgar determinadas gravações telefônicas, conforme divulgado em vários órgãos de imprensa.

Não menos arbitrário foi a condução coercitiva do ex-presidente Lula no dia 4 de março de 2016, também, determinada pelo juiz Federal Sérgio Moro. Naquela ocasião, inúmeros juristas questionaram e criticaram a medida coercitiva.  Por todos, Lenio Luiz Streck, para quem: o ex-presidente Lula e todas as pessoas que até hoje foram “conduzidas coercitivamente” (dentro ou fora da “lava jato”) o foram à revelia do ordenamento jurídico. 

Que coisa impressionante é essa que está ocorrendo no país. Desde o Supremo Tribunal Federal até o juiz do juizado especial de pequenas causas se descumpre a lei e a Constituição.

Mais adiante, Lenio assevera que:

A polícia diz que foi para resguardar a segurança do ex-presidente. Ah, bom. Estado de exceção é sempre feito para resguardar a segurança. O establishment juspunitivo (MP, PJ e PF) suspendeu mais uma vez a lei. 

Pois é. Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. E o estado de exceção pode ser definido, segundo Agamben, pela máxima latina 'necessitas legem non habet' (necessidade não tem lei). 

Todas essas ações praticadas com a benção do STF ou por ele próprio revelam que a democracia brasileira esvaiu-se no ralo da desordem jurídica, da tirania política e do autoritarismo. 

O Congresso Nacional usurpou do povo brasileiro cerca de 54 milhões de votos, sacou do poder a presidenta da República, escolhida em eleição livre e direta, sem que tivesse razão jurídica e legal para tanto. 

O Supremo Tribunal Federal, que nada fez para evitar o golpe parlamentar contra a democracia brasileira, nada faz para conter o autoritarismo, bem como o avanço do estado penal fruto de um estado de exceção. A chamada “República de Curitiba” faz parecer que lá o STF não entra e o Estado democrático de direito há tempo foi expulso.

Assim, como decorrência do que afirmou a presidente do STF, não havendo democracia só resta a segunda alternativa.

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. (Via Justificando.com/Carta Capital)

"Não é de hoje que asseveramos: A justiça brasileira é o alicerce do golpe!"