por Leonardo Isaac Yarochewsky
Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem
a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Actualmente, somos
seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos
nem chegar perto. (José Saramago)
O meu ideal político é a democracia, para que todo o
homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado. (Albert Einstein)
“Ou a democracia ou a guerra” sentenciou a presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal) ministra Cármen Lúcia em evento no TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) realizado no último dia 5.
A presidente do Supremo afirmou
que o país “vive um momento particularmente grave” e que “há uma enorme
intolerância com o poder público, o que nos leva a pensar em soluções para que
a sociedade não desacredite no Estado.
O Estado tem sido nossa única opção. Ou
a democracia ou a guerra. E o papel da Justiça é pacificar“; ela também disse
que o Poder Judiciário tem sido alvo de uma campanha de desconstrução, pediu
união a juízes e disse que o Brasil vive uma “encruzilhada”.
A neófita democracia brasileira sofreu um duro golpe com
a retirada do Poder da presidenta da República Dilma Vana Rousseff eleita com
cerca de 54 milhões de votos e sem que tenha ela praticado qualquer crime de
responsabilidade.
Neste particular, o STF deveria e poderia ter impedido o
golpe parlamentar proclamando em alto e bom som e com todas as letras que não
havendo crime de responsabilidade a presidenta não poderia ter sido acusada e
julgada por conduta atípica. Contudo, preferiu o STF “lavar as mãos” e apenas
se limitar, em relação ao processo de impedimento da presidenta Dilma, a
verificação das questões processuais e rituais.
Como já dito alhures, ainda que
caiba ao Senado Federal processar e julgar o Chefe do Poder Executivo, por
crime de responsabilidade, ao STF caberia zelar pelo respeito à Constituição da
República e aos princípios de direito. Repita-se, não havendo crime não havia
como a presidenta da República ter sido processada e julgada.
O STF deveria,
como já foi sustentado, trancar a ação penal por falta de justa causa.
Para o professor e filósofo Thomas Bustamante, o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff foi, sim, um
golpe de estado. Há vários elementos que corroboram essa afirmação, merecendo
recordar os seguintes:
1) violação à retroatividade da lei;
2) ausência de tipicidade estrita;
3) ausência de comprovação de autoria;
4) ausência de dolo específico;
5) extensão de tipo penal por analogia;
6) (na Câmara), violação ao art. 23 da lei 1059, com
“fechamento de questão” pelos partidos políticos;
7) desvio de finalidade (impeachment instaurado para
“estancar a sangria da lava-jato” (Jucá);
8) desvio de finalidade (na Câmara) do ato de recebimento
da denúncia pelo Sr. Eduardo Cunha;
9) total ausência de autenticidade e responsabilidade do
Parecer do Relator (Senador Anastasia), que em si mesmo constitui um ato de
hipocrisia.
Com o afastamento em definitivo da presidenta Dilma
Rousseff, sem qualquer legitimidade e na base de acordos espúrios – costurados
no Congresso Nacional e no Palácio do Jaburu – assumiu o governo o
vice-presidente da República que vem assolando o País, aniquilando com os
direitos e garantias fundamentais, individuais e sociais, para atender aos
interesses dos plutocratas e dos endinheirados.
Ao lado do golpe contra a democracia brasileira que teve
seu ápice com a decisão do Senado Federal que decidiu pelo afastamento
definitivo da presidenta Dilma, o país vem sendo tomado pelo avanço do estado
penal e pela criminalização da política, notadamente, do Partido dos
Trabalhadores (PT) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa
lamentável situação jamais poderia estar passando à margem do STF que, aqui
também, se omite quando fecha os olhos para todas as violações, abusos e
arbitrariedades perpetradas pelo juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Dentre as maiores arbitrariedade cometidas pelo condutor
da famigerada operação “Lava Jato” está o fato de ter sido vazado pelo
magistrado da “República de Curitiba”, sob a alegação inconsistente e vazia do
“interesse público”, conversa mantida pelo ex-presidente Lula e a então
presidenta da República Dilma Rousseff.
Como é sabido, o Chefe do Poder Executivo, segundo a
Constituição da República, somente pode ser investigado e processado por crime
comum perante o Supremo Tribunal Federal. Em 13 de junho de 2016 o ministro
Teori Zavascki, relator da operação “Lava Jato” no STF anulou a prova colhida
ilicitamente, assim se manifestando:
Como visto, a decisão proferida pelo magistrado reclamado
[Moro] está juridicamente comprometida, não só em razão da usurpação de
competência, mas também, de maneira ainda mais clara, pelo levantamento de
sigilo das conversações telefônicas interceptadas, mantidas inclusive com a ora
reclamante e com outras autoridades com prerrogativa de foro.
Foi também precoce e, pelo menos parcialmente, equivocada
a decisão que adiantou juízo de validade das interceptações, colhidas, em parte
importante, sem abrigo judicial, quando já havia determinação de interrupção
das escutas.
Em relação à atitude, no mínimo suspeita do juiz Federal
Sérgio Moro, que causou grande perturbação a democracia quando da divulgação do
áudio da conversa do ex-presidente Lula com a então presidenta Dilma, o
ministro Teori Zavascki e o STF se contentaram com um protocolar pedido de
desculpa oferecido por Moro.
Ainda sobre a gravação ilegal do diálogo mantido entre a
então presidenta da República Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, o eminente processualista Afrânio Silva Jardim assim se manifestou:
A gravação do diálogo entre a Presidenta Dilma e o
ex-presidente Lula, relativa à remessa do termo de posse, é objetivamente
ilegal (lei n.9.296/96) e inconstitucional (art.5, inc. XII).
Quando efetivada,
o juiz Sérgio Moro já tinha determinado a cessação de todas as gravações. Não
importa se a operadora estava ou não de boa-fé. Não se trata de gravação sem
autorização judicial, mas sim de gravação contra ordem judicial. Desta forma,
não poderia ser citada por qualquer juiz ou ministro. Evidentemente que o Juiz
Sérgio Moro sabia desta ilegalidade, pois a ordem foi dele e não poderia dar
publicidade a este diálogo.
A própria imprensa não deve ficar divulgando atos
ilegais, quem sabe, criminosos. Impressionante a gritante parcialidade da nossa
grande imprensa. Até mesmo o Ministro Marco Aurélio do S.T.F., em entrevista
concedida neste domingo, assevera que o juiz Sérgio Moro cometeu crime ao
autorizar e divulgar determinadas gravações telefônicas, conforme
divulgado em vários órgãos de imprensa.
Não menos arbitrário foi a condução coercitiva do
ex-presidente Lula no dia 4 de março de 2016, também, determinada pelo juiz
Federal Sérgio Moro. Naquela ocasião, inúmeros juristas questionaram e
criticaram a medida coercitiva. Por todos, Lenio Luiz Streck, para quem: o ex-presidente Lula e todas as pessoas que até hoje
foram “conduzidas coercitivamente” (dentro ou fora da “lava jato”) o foram à
revelia do ordenamento jurídico.
Que coisa impressionante é essa que está
ocorrendo no país. Desde o Supremo Tribunal Federal até o juiz do juizado
especial de pequenas causas se descumpre a lei e a Constituição.
Mais adiante, Lenio assevera que:
A polícia diz que foi para resguardar a segurança do
ex-presidente. Ah, bom. Estado de exceção é sempre feito para resguardar a
segurança. O establishment juspunitivo (MP, PJ e PF) suspendeu mais
uma vez a lei.
Pois é. Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. E o
estado de exceção pode ser definido, segundo Agamben, pela máxima latina 'necessitas legem non habet' (necessidade não tem lei).
Todas essas ações praticadas com a benção do STF ou por
ele próprio revelam que a democracia brasileira esvaiu-se no ralo da desordem
jurídica, da tirania política e do autoritarismo.
O Congresso Nacional usurpou do
povo brasileiro cerca de 54 milhões de votos, sacou do poder a presidenta da
República, escolhida em eleição livre e direta, sem que tivesse razão jurídica
e legal para tanto.
O Supremo Tribunal Federal, que nada fez para evitar o
golpe parlamentar contra a democracia brasileira, nada faz para conter o
autoritarismo, bem como o avanço do estado penal fruto de um estado de exceção.
A chamada “República de Curitiba” faz parecer que lá o STF não entra e o Estado
democrático de direito há tempo foi expulso.
Assim, como decorrência do que afirmou a presidente do
STF, não havendo democracia só resta a segunda alternativa.
Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado Criminalista e
Doutor em Ciências Penais pela UFMG. (Via Justificando.com/Carta Capital)
"Não é de hoje que asseveramos: A justiça brasileira é o alicerce do golpe!"