Sindicalismo,
Trabalho e Despolitização | Por Que a Sindicalização Permanece em Queda no
Brasil?
Por André Cintra(¹)
Consultados diversos
especialistas para interpretar os números., em comum, todos afirmam que o encolhimento
na sindicalização se deve a múltiplas causas...
As taxas de
sindicalização no Brasil, em queda constante desde 2016, sofreram um novo revés
no primeiro ano do governo Lula. O País terminou 2023 com apenas 8,4 milhões de
trabalhadores sindicalizados – o equivalente a 8,4% da população ocupada.
É o que aponta a
nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada na
sexta-feira (21) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O
patamar atual é o menor da série histórica, iniciada em 2012, quando o Brasil
tinha 89,7 milhões de pessoas ocupadas, sendo 16,1% sindicalizadas. Em 11 anos,
a taxa de sindicalização caiu praticamente à metade.
Perdas do gênero são
comuns em momentos de crise econômica e desemprego. O cenário brasileiro,
porém, foi favorável no último ano, com crescimento do PIB acima do esperado e
geração de mais de 1,4 milhão de postos formais de trabalho. Ainda assim, só de
2022 para 2023, os sindicatos perderam 713 mil associados – um recuo
considerável de 7,8%.
O próprio IBGE
apontou que, em 2023, a população ocupada bateu recorde no País, totalizando
100,7 milhões de pessoas. Além disso, conforme o Dieese (Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), 77% das negociações
coletivas resultaram em aumentos reais nos salários.
Se as convenções e
os acordos coletivos avançaram – numa demonstração da relevância do movimento
sindical para os trabalhadores –, por que os números de sindicalização no País
seguem em declínio? O que fazer para estancar a crise?
Múltiplas causas
O Vermelho ouviu
líderes sindicais e especialistas para interpretar os números e propor
alternativas às entidades. Em comum, todos afirmam que o encolhimento na
sindicalização se deve a múltiplas causas. “A principal é a combinação de
estagnação econômica de um lado e a precarização do trabalho de outro”, diz
Nivaldo Santana, secretário Sindical do PCdoB e dirigente da CTB (Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).
Para Nivaldo, o
sindicalismo é alvo da “ofensiva ideológica do capital, que estimula o
individualismo, a meritocracia e o falso mito do empreendedorismo”. Ao
influenciarem a “subjetividade do trabalhador”, os empregadores dificultam
ainda mais o “desenvolvimento da consciência classista”.
A tudo isso se somam
as novas formas de gestão e organização do trabalho. “As grandes concentrações
de trabalhadores foram substituídas por unidades descentralizadas, ao mesmo
tempo em que houve o avanço do trabalho por conta própria”, comenta Nivaldo.
“Os novos paradigmas reforçam a individualização das relações do trabalho, bem
como a negação ou subestimação da importância da organização e luta coletivas –
que são os pilares sobre os quais se sustenta a organização sindical.”
Conforme o consultor
sindical João Guilherme Vargas Netto, o índice de 16% de sindicalização – que
permaneceu relativamente estável de 2012 a 2015 – não se sustentou devido a
“elementos políticos, ideológicos e estruturais”. A taxa começa a cair em 2016,
ano do golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff (PT) e levou Michel Temer
(MDB) ao Planalto. No ano seguinte, sobreveio a reforma trabalhista.
“Foi, na verdade,
uma deforma, que rompeu o pacto da sociedade com os sindicatos e estimulou uma
ideologia antissindical. A cobertura ideológica negativa se intensificou, e os
sindicatos se transformam em estorvo”, diz. “A partir de 2019, com o (Jair) Bolsonaro
na Presidência, a crise se acentua e a queda na sindicalização se acelera.”
A exemplo de
Nivaldo, Vargas Neto ressalta as mudanças no mundo do trabalho. Além das novas
tecnologias e da uberização, há uma tendência que ganha impulso durante a
pandemia de Covid-19: o home office. “Não se trata apenas de desemprego e
informalidade – mas também da nova gestão do trabalho.”
“Patrões de si
mesmos”
Marcos Verlaine,
analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar), é outro especialista a associar a crise sindical à reforma
trabalhista. “Não é mera coincidência que os índices tenham caído exatamente no
período de vigência dessa contrarreforma, que desregulamentou direitos e
regulamentou restrições nas relações de trabalho”, afirma.
Em sua opinião, ao
legalizar tipos precários de contratos de trabalho – “a tempo parcial,
temporário, intermitente” –, a reforma inibiu a sindicalização. “Os
trabalhadores não se sentem como parte da empresa e se afastam dos sindicatos.
Sem contar que há enorme pressão do patronato para a não sindicalização.”
A falta de
organização coletiva prevalece sobretudo entre os autônomos. “Só de
trabalhadores com aplicativos, já são mais de 2 milhões no País. Esses ‘patrões
de si mesmos’ não vão se sindicalizar, pois não enxergam os sindicatos como
instituições que protegem os trabalhadores.” O fenômeno, no entanto, vai além
do movimento sindical. “A despolitização da maioria da sociedade brasileira
deixa os trabalhadores mais vulneráveis às intempéries das relações de trabalho
– e menos afeito à luta coletiva por conquista e manutenção de direitos, cujos
protagonistas são os sindicatos.”
João Carlos
Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, reforça que os
retrocessos legais não se restringiram à reforma trabalhista. “A queda da
sindicalização já se observa há um certo tempo e está ligada a mudanças na
legislação nos governos Temer e Bolsonaro”, opina.
“Além do trabalho
temporário, dos acordos individuais de trabalho e da retirada das homologações
nos sindicatos, tivemos a queda da contribuição sindical, que levou à
diminuição do financiamento das entidades. Vários serviços prestados pelos
sindicatos aos trabalhadores tiveram de ser fechados”, acrescenta.
Saídas
Os sindicalistas
concordam que mudanças econômicas são essenciais para frear a crise. “Só com
crescimento do emprego formal com registro em carteira é que criaremos as condições
para maior organização sindical”, resume Juruna. A seu ver, sindicatos,
federações, confederações e centrais devem promover uma “campanha nacional de
sindicalização”, com ações nos locais de trabalho e divulgação na grande mídia.
“Poderíamos diluir o custo disso entre os participantes.”
Sua proposta é
compartilhada por Vargas Netto. “Escrevi no começo do ano que o movimento
sindical deveria fazer uma campanha nacional de sindicalização, dada a aflição
que os números causam. Ainda está em tempo”, afirma. “Que 2024 seja o ano da
sindicalização, associada a qualquer ação das entidades. Assim que concluírem
campanhas salariais ou conquistarem PLRs, as direções sindicais devem ‘subir às
bases’, unitariamente, para sindicalizar e ressindicalizar.”
Nivaldo reforça o
vínculo indispensável entre um novo cenário econômico e a atuação do movimento
sindical. “Um ambiente econômico-trabalhista mais favorável para a reversão
desse quadro passa por crescimento econômico, retomada da industrialização,
criação de empregos de qualidade e revogação das reformas regressivas. Além
disso, trabalho intenso de base, formação classista e renovação das formas de
organização e de luta são imprescindíveis para a retomada do
fortalecimento sindical.”
(...)